Instando Absolvição

Falemos da experiência ou da falta de tato e comiseração nas pequenas ambiências, moradias adiadas por um sentido obliterado dos termos, palavras vãs, cascatas, supremos gostos, validades, fulgores, risos de deuses bem dispostos, chuva, na maioria das vezes, apodrecendo os sentidos, mastigação do riso por cada um dos intervalos.

O Sentimento de Culpa, José Maria de Aguiar Carreiro

Singularity - Day One

30 de ago. de 2010

A angústia estava presa em seus olhos enquanto aquelas duas grandes amêndoas despejavam lágrimas solitárias procurando por ajuda. Eu estava ali, senhores. E eu não era capaz de fazer qualquer movimento para mudar a situação, não apenas pela dor na juntura de meus ossos e a ardência dos meus músculos, era porque eu era fraco. Fraco o suficiente para não abrir mão de meu orgulho por ela. Mas eu não o faria hoje ou amanhã. Não, senhores, chamem-me de covarde, mas eu simplesmente não o faria.
Eu tinha mil e um motivos e cento e vinte horas que me levariam a abraçá-la e tirá-la dali, dizer que está tudo bem e sentir seu calor contra minha pele gelada. Mas eu havia menos de dez motivos que me afetavam diretamente para não fazê-lo e talvez eu provocaria o pior erro de minha vida, admito que fiquei em transe durante todo o momento em que a vi clamando por meu nome.
Preciso começar de onde tudo nos levou. Nos: Pronome pessoal oblíquo da primeira pessoa do plural. Plural. Talvez, essa poderia ser a palavra mais certa e a mais errada para definir o começo. Talvez, por sermos tão singulares que se nos juntássemos o plural fizesse sentido afinal. E tudo porque obsessão, senhores, não é tão singular quanto aparenta.
A cinco dias do momento onde parei a poucas linhas é onde eu defino essa estreita linha entre o começo e o fim. Eu a havia visto tantas vezes durante minha vida que sua presença, para mim, nunca foi nada além de incômoda, quando a notava. Mas a quase exatas cento e vinte horas, de tão preso ao meu mundo me tornei parte do dela.
Ela estava ali, apoiada na mesa da cafeteria, o queixo apoiado em sua mão esquerda, a pele branca – mas não tão branca quanto a minha – dava impressão que era feita de veludo, os cachos castanho-escuros presos em um coque mal feito, sua boca naturalmente avermelhada sendo a cada minuto, mordida por seu dente quase perfeito e os olhos por trás dos seus óculos que pareciam duas grandes e fartas amêndoas em uma véspera de natal. Ela parecia encarar o nada, ela estava ali, em seu mundo, o que eu faria se naquele dia não procurasse por algo menos monótono. Eu desejaria ter continuado em minha monotonia.
Meu ódio por ela não era centrado por algo que ela fizera, sua inocência me enojava. Mas de algum modo, por alguns segundos – devo dizer –, meu desejo não foi de jogar uma nota de dez libras no balcão e sair. E então eu segui para mais uma das ações da qual me arrependi. Levantei-me, não com o intuito de ir, e meus, amaldiçoados sejam, pés seguiram até a mesa onde ela estará sentada. E isso foi um erro. Pois ao me colocar de frente a ela quebrei toda a singularidade que tínhamos e que ela nunca iria notar em mim, pois ela era inocente demais para isto. Vi os poucos raios de sol iluminar seus cachos e ela não mencionou dizer nada, apenas insinuou um leve sorriso com o canto dos lábios.
Aquele silêncio talvez foi nossa melhor conversa, pois foi dele que me aproveitei dias anteriores, observando-a, explorando sua singularidade e se esquecendo da minha. Pois eu notei que no final do dia ela voltava para casa. E era isso. O silêncio abastecia o meu dia por olhares cautelosos dela para seu livro ou para o horizonte até o anoitecer, onde ela fazia seu caminho para sua casa, onde, cria eu, ela sentia todo o afeto do qual não se apoderava o meu silêncio.
E tudo isso parecia um motivo para eu ir até ela e sentar-se ao seu lado naquele maldito dia de outono. Pois agora, não só a minha, mas a singularidade dela fora quebrada. Pelo plural. Pela minha obsessão.
Não precisávamos trocar muitas palavras, eu apenas tentava ler sua mente através de seus olhos, sim, aquelas bolotas que guardavam sua singularidade e que não pretendiam perdê-la tão cedo. Creio que agora os senhores entendam do que disse ao começo. O desejo revelado em sua singularidade era o que eu queria explorar e o silêncio ajudou nos primeiros momentos, mas em alguma hora eu seria obrigado a pronunciar. E este momento eu temi de ter deixado para ela.

“Por que estás aqui?” Ela perguntou com sua voz doce, mas que escondia o percentual de ódio que ela possuía por minha pessoa por momentos passados. Ela me ignorou, sempre, e eu, não algumas e sim muitas vezes, tirei vantagem de sua peculiaridade. E nossa comunicação anteriormente se baseava em ofensas. E quando ela as respondia é como se eu alimentasse um pouco do meu prazer pelo ódio.
Mas aquele momento em que nossa comunicação mudou de nível era como se eu não conseguisse me comunicar. Demorei a achar palavras em minha cabeça que descreviam o motivo de estar ali. A razão que antes parecia clara o suficiente agora se desvairava com os todos os outros motivos inúteis que eu tinha para não estar lá.
“Eu gostaria de pedir desculpas.” Menti. Essa era minha regra para não ter o que dizer, eu apenas mentia. Eu nunca me arrependi de uma palavra que disse a ela até aquele momento, mas este momento parecia tão oportuno que eu não teria mais o que dizer. Ela franziu o cenho, eu levantei a sobrancelha, movimentos sincronizados. Ela estava surpresa e eu tentei tornar aquilo menos constrangedor. Eu poderia ter me levantado naquele momento ou apenas proferido mais uma ofensa, pois assim teríamos nossa comunicação novamente. Mas não. E eu pude ver em sua singularidade que ela pode notar o pouco do plural que a havia afetado.
“E o que lhe leva a pensar que eu as aceitaria?” Perguntou ela. Por um momento olhei para o meu reflexo no vidro de sua xícara vazia de café e percebi que a partir do momento que eu comecei a observá-la todos os dias perdi minha singularidade. Ela não estava mais ali, não visível aos meus olhos, mas ela não tinha o feito por mal. E então fiz o que tinha adiado, levantei-me tentando não me deparar com os olhos que se surpreenderam com tudo aquilo.
“Como quiser, Garotinha do Papai” E foi assim que eu voltei à nossa comunicação, da qual me arrependera de ter rompido. Não a observei antes de sair, apenas deixei as libras no balcão e saí. Mas isso não já fazia diferença, pois naquela hora eu brotei algo que analisando-a mais tarde pude perceber. Ela estava arrependida. Porque sua inocência tornava seu ódio em arrependimento e esse, era seu pior defeito.

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So nevermind the darkness, we still can find a way... 'Cause nothing lasts forever... Even cold November Rain.