Instando Absolvição

Falemos da experiência ou da falta de tato e comiseração nas pequenas ambiências, moradias adiadas por um sentido obliterado dos termos, palavras vãs, cascatas, supremos gostos, validades, fulgores, risos de deuses bem dispostos, chuva, na maioria das vezes, apodrecendo os sentidos, mastigação do riso por cada um dos intervalos.

O Sentimento de Culpa, José Maria de Aguiar Carreiro

Singularity - Day Four

7 de out. de 2010

Ela adormeceu no meu lado até o quarto dia. Esse se seguiu como um intermédio para o quinto e último dia. Minha obsessão agora poderia ser sanada em pequenas doses de seu incômodo ao meu lado. Ela saiu do quarto pensando que eu não a tinha visto e eu saí por sua janela durante a madrugada. E eu apenas tornei a vê-la durante o crepúsculo na mesma cafeteria do primeiro dia.
Amélie não percebeu minha presença durante uma hora. Eu a encarava do lado de fora com meu cigarro na boca. As ruas não estavam cheias, isso tinha a ver com o anúncio do Parque de Diversões que se depositava em todos os postes e rádios que observei da casa dela até a cafeteria. Amável.
O silêncio se tornou agradável para mim, naquela cidade onde o movimento não era algo tão notável eu cresci em paz. Ou algo assim. Ao menos minha antiga casa tinha barulhos peculiares dos gritos dos meus pais. O que era totalmente diferente da casa dos Finigan, eles eram bastante quietos, durante minha estadia não ouvi sequer um barulho vindo dos outros andares. E eu tinha muitas dúvidas em relação à Amélie e sua família (que eu também não vi em minha estadia). Uma delas era se o homem que gritava com ela fazia parte.
Depois de alguns minutos, enquanto eu estava apoiado nas sombras de um poste que fazia parte da fachada da cafeteria onde eu podia observar toda ela e os clientes provavelmente não conseguiam me ver, eu avistei uma silhueta pequena abrir a porta.
O vento frio a obrigara a vestir aquele sobretudo e ela ficou parada alguns instantes até andar até a minha ainda mais fria sombra. Ela tremia de frio e ficou encarando meus olhos durante um bom tempo. Eu não fiz muitos movimentos além do que incluía levar o meu cigarro até a boca e depois de dar uma tragada, abaixar minha mão.
Depois de toda essa imobilidade ela se aproximou um passo e abriu a boca e logo a fechou novamente. Sem sair qualquer som dela, apenas pude ver uma fumaça de ar quente parecia com a que meu cigarro fazia.
“Isso vai lhe matar.” Ela falou em seguida. Eu esperava que algo mais produtivo saísse de sua boca.
“Isso o quê?”
Nós. Foi isso que esperava de sua boca e aposto que ela quase pronunciou essa palavra.
“O cigarro.” Amélie disse olhando enquanto eu o levava novamente até a boca ignorando seu comentário.
“Esse não é meu único vício.” Eu disse indiretamente enquanto deixava de encostar no poste e me aproximava até ficar do lado dela. “Se quiser ando com você até sua casa.”
Ela afirmou com a cabeça e me seguiu em direção à esquerda da cafeteria, em direção à sua casa.
“O que você fazia ali?” Ela disse e depois concertou para que não soasse óbvio “Além de alimentar seu vício?”
“Eu fui alimentar meu outro vício.” Falei e ela retraiu me olhando com o canto dos olhos e parando de andar. Já estávamos a uma quadra e meia da cafeteria e eu as contava para ver se não errava o caminho, tentando memorizar.
Eu vi a preocupação nos seus olhos depois que andei mais alguns passos e virei para trás para ver onde ela havia parado. Estávamos dois passos de distância um do outro. Toda aquela tensão estava a incomodando. Havia sido bastante rápido para nós aqueles últimos três dias. Até para nós. A singularidade de cada um de estava ferida por nossa aproximação. Ficamos perigosamente perto no dia anterior e fizemos algo que não cogitava em nossas cabeças. Passou de um beijo inocente. Fizemos o que eu faço com garotas nem um pouco inocentes. Eu quebrei a inocência que fazia parte de sua singularidade. Ela quebrou a indiferença que fazia parte da minha. E então estávamos ali, perdidos na bagunça que havíamos feito. Cara a cara.
“Eu não sei o que estamos fazendo, Hiver...” Ela se pronunciou. Sua face determinava medo. Medo do que poderia acontecer depois. No que eu faria para ela. “Até uns dias atrás nós simplesmente ignorávamos a existência um do outro. Eu acho que nós deveríamos simplesmente esquecer o que aconteceu.”
Eu não me mexi. Nem mesmo eu tinha consciência do que estávamos fazendo, apesar disso tudo parecer claro na primeira vez que eu me arrisquei a ouvir suas palavras.
“Diga para eu me afastar e eu me afastarei.” Eu quebrei os dois passos de distância e logo senti seus lábios conectados aos meus. Aquela sensação de prazer era como o meu cigarro. Ela era meu novo vício. O gosto era peculiar, mas o prazer era imensurável e viciante. Ela era meu vício e aquilo me mataria mais rápido que qualquer cigarro. Amélie Finigan havia arrancado toda minha singularidade, eu estava vazio, apenas com seu gosto ali me corroendo. E a dor era ótima.

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So nevermind the darkness, we still can find a way... 'Cause nothing lasts forever... Even cold November Rain.